FCT e investigação em gerontologia
Sou professor universitário, investigador, e trabalhei em serviços sociais. Não sou um investigador puro, e ainda menos um investigador de laboratório. Posso dizer que o meu perfil se reparte 50% pela investigação e 50% pelo trabalho directo em serviços sociais.
Na minha carreira, tenho tentado aproximar estes dois mundos porque a investigação científica é importante enquanto ferramenta para a apreciação de políticas, serviços ou protolocos, nomeadamente no que diz respeito aos serviços sociais para a terceira idade.
Acontece que nos últimos tempos, a comunidade científica em Portugal tem estado sob o olho do furacão, e o cúmulo foi o pedido de demissão de Miguel Seabra da presidência da FCT.
http://www.publico.pt/ciencia/noticia/miguel-seabra-demitiuse-1691651
Miguel Seabra
Miguel Seabra é um cientista, e parece ter pouco jeito para a política. A política tem a ver com a gestão de expectativas, e a minha hipótese é que Miguel Seabra não conseguiu lidar com as expectativas que toda a comunidade científica tinha, face ao papel da FCT. Mais do que isto, considero que ninguém tinha a capacidade de lidar com essas expectativas, e que Miguel Seabra foi lançado ao fogo mediático por uma comunidade científica que, pela via dos media, possui uma capacidade de destruição significativa.
Quem quiser pode rever o vídeo do programa da SIC-noticias acerca da investigação científica em Portugal.
FCT
A criação da FCT foi uma boa ideia e teve bons resultados, mas a fundação cresceu menos que as expectativas da comunidade científica.
Portugal partia de um ponto muito baixo no investimento científico, e era necessária uma política de investimento neste sector. Sou dos que acreditam que é preciso aumentar os investimentos público e privado no sector da investigação científica, de uma forma sustentável. Cortes abruptos devidos a défices públicos para os quais a ciência não colaborou, ou incrementos orçamentais significativos que aumentem as expectativas dos grupos de investigação, são igualmente negativos.
É evidente que muitos investigadores não conseguiram desenvolver as suas carreiras em Portugal e tiveram que emigrar, e que desta forma Portugal perdeu o investimento que fez nestas pessoas. Isto foi mau.
Também considero que não podemos esperar da FCT que seja a solução para todos os problemas da comunidade científica. Mas foi responsabilidade da FCT ter criado expectativas demasiado elevadas, não ter formulado uma política clara para este sector; pior do que isso, não a ter explicado de forma transparente, e pior ainda, não ter sido firme nas tomadas de decisão, se realmente acreditava nas suas escolhas.
A investigação em Gerontologia
Fiz uma pequena experiência. Utilizei este código de pesquisa na base Pubmed:
(portugal[Affiliation] AND GERONTOLOGY) OR (portugal[Affiliation] AND GERIATRIC) OR (portugal[Affiliation] AND OLDER PEOPLE)
Aqui fica o resultado.
Basicamente, temos aumentado a nossa capacidade de publicação científica na área do envelhecimento. Isso para mim é claro, mas do meu ponto de vista não é suficiente.
Senão, vejam este mapa. Representa as unidades de investigação científica de topo que vão a ser financiadas via EIT Knowledge and Innovation Community (KIC)
Portugal não tem nenhuma.
Vamos rever as coisas. Portugal tem neste momento uma comunidade científica activa, com bons investigadores, e no entanto a ciência portuguesa não tem qualquer relevância. Certo? Certo.
FCT e os investigadores portugueses
Os investigadores portugueses publicam, e sem dúvida publicam cada vez mais. Mas isto não serve de nada sem que haja lideranças que consigam estabelecer verdadeiras redes de investigação, que consigam projectar a nossa investigação para além das fronteiras, com resultados validados socialmente.
No final, o que temos é um grupo de investigadores juniores a matar-se para publicar numa concorrência feroz que não seve para nada, excepto para encher o ego de meia dúzia de primas-donas que passam o dia no ResearcherID, a ver as vezes que são citadas hoje.
Muito tem a FCT sido criticada pelo colectivo de investigadores. Mas eu crítico os investigadores portugueses por olhar cada um pelo seu umbigo. E critico a FCT por ter promovido uma política de concorrência darwiniana, com regras que mudam consoante a pressão política de que cada grupo de investigação é capaz.
A FCT converteu-se num Centro de Emprego para inteligentes (bolseiros), que acabam a trabalhar para outros (nem para eles nem para a sociedade) e que, como Sísifo, ficam condenados a levar a pedra até ao cimo (publicar) num esforço inglório (sem projecção significativa e sem quaisquer efeitos sociais).
De facto, nós temos a FCT que merecemos.
Desde já os meus melhores cumprimentos, e convido-lhe a comentar este Post
Obrigado!
José Ignacio Martín