Hilma Caravau e eu colaborámos em alguns projectos. Agora Hilma Caravau lançou-me um repto: escrever um post acerca o trabalho em gerontologia. Reconheço uma pontinha de malvadez neste repto. Uma pontinha de malvadez que eu adorei, sobretudo porque ela sabe que algumas das posições que eu tenho acerca deste sector divergem das que vigoram no mundo académico e no sector não lucrativo.
Vamos lá a isto …
A formação em Gerontologia até os 90´s
Antes de formar Gerontólogos, formei Assistentes Sociais. Isto foi até 2005. Antes de eu começar a leccionar no Instituto Superior de Serviço Social do Porto (em 1996), possivelmente, um profissional que entrasse como director técnico numa instituição não teria ouvido uma palavra acerca de “idosos”, “geriatria”, “gerontologia”, ou coisa parecida.
Estou a referir-me à zona norte de Portugal, mas no Sul seria mais ou menos a mesma coisa.
As pessoas formavam-se principalmente no posto de trabalho. O recém-licenciado entrava numa instituição e basicamente, de “desenrascanso” em “desenrascanso”, aprendia e desenvolvia competências. Podia falhar aqui ou acolá, mas consiga desenvolver o seu trabalho.
A formação em Gerontologia era então do tipo “lançamento aos leões” e aprendizagem à bruta. Funcionava? Sim, mas só nesse contexto específico.
Na década de 90, as instituições onde começava a actividade profissional de um recém-licenciado eram em geral muito pequenas (não tinham orçamentos superiores a 50.000 euros); não tinham valências de grande dificuldades técnicas, e contavam com pessoal auxiliar estável e motivado.
O director técnico novato, nestas circunstâncias, conseguia aprender, e assim se formaram grande parte dos directores técnicos em Portugal, num conjunto de boas condições de aprendizagem. Muitos tiveram anos para poder aprender.
Formação em contexto de crescimento dos 90´s até 2011
As instituições crescem, e crescem continuamente. Não há tempo para aprender, nem em formação na sala nem no terreno. Os directores técnicos agora começam a lidar com orçamentos, candidaturas, relatórios para a segurança social… Tudo anda depressa, demasiado depressa. As mudanças sucedem-se umas às outras.
Os directores técnicos deixam de estar com as pessoas, e fecham-se nos gabinetes a escrever candidaturas, mails, cartas. Não há tempo. Os directores técnicos, para conseguirem apanhar o comboio administrativo, perdem o contacto com utentes, famílias e funcionários.
Muitas instituições têm dinheiro, e para colmatar os problemas de crescimento, encobrem-nos com novas contratações e com formação (maioritariamente de má qualidade).
O tipo de contratações não tiveram nada de integrado. Foi basicamente a solução mais rápida encontrada para o problema do crescimento desordenado das instituições.
Formação, é necessário formação. Coitado do pessoal auxiliar, que teve que apanhar com doses de formação de treta… Às vezes teria sido melhor que tivessem ficado a descansar com as famílias, do que terem ficado a aturar horas de formação sem qualquer valor.
Os profissionais iam a tudo o que era formação para tentar evoluir, e para não se sentirem completamente devorados por um sistema que não percebiam.
Ninguém naquela altura estava consciente do verdadeiro problema. E eu também não. Estávamos a crescer de forma desordenada. Esse era o problema. Éramos instrumentos de políticas de oferta monetária. Eis o que éramos: instrumentos para que as empresas de construção civil não falissem construindo lares e escolas, e máquinas de triturar taxas de desemprego, sobretudo nas zonas mais desfavorecidas do pais.
Naquela altura, o problema era nosso. Nós é que não conseguíamos formar bons técnicos, e os que estavam no terreno não valiam. Era necessário colocar gente de gravata, gestores profissionais da coisa. Isso sim, ia solucionar os problemas.
E solucionou… mas da pior forma: com mais crecimento. “Economia de escala” para crescer, crescer e crescer.
A partir de 2011: crise, porrada e ao charco …
Pois é. Chega a crise e toca agora o ciclo contrário. Cut, Cut, Cut . Os mesmos cargos políticos que criaram os últimos PARES e POPH (Potencial Humano) reúnem para renegociar acordos.
Pronto, toca a recortar. Pessoal auxiliar reduzido ao mínimo, ao mínimo dos mínimos. Legalidade e qualidade, só no papel e na conversa.
Agora, isso sim!… Temos umas casas de banho XPTO, para idosos que temos de seleccionar entre os que podem pagar. Porque isso das IPSS para os pobres não existe, é só para quem pode.
Diretores técnicos de IPSS no século XXI
Cá chegámos….
Esmagados por um sistema que não percebem e por diagnósticos errados, os directores técnicos deixaram de controlar as instituições. Instituições monstruosas lidam diariamente com gente que exerce a pressão por via do seu estatuto profissional, como médicos, enfermeiros, advogados e gestores. Clientes difíceis e reivindicativos, famílias antagonistas.
Tenho más noticias. Aquelas assistentes sociais que se formaram nos anos 80 e nos princípios dos 90, essas mesmas, estão a ser despedidas ou despromovidas e substituídas por figuras de gestão mais leves, como estágios profissionais ou figuras de gestão focadas unicamente em números.
O meu diagnóstico é que, se é Diretora Técnica por volta dos 40 anos, numa instituição que cresceu muito, e não tem um contrato de trabalho blindado, está perto de marcar uma visita ao Centro de Emprego. Estou a constatar uma realidade triste, duma pessoa como eu que contacta frequentemente com estas instituições.
Claro que está a existir contratação no sector, e muita, e vai existir mais, mas é um tipo de contratação por via de estágios profissionais e vínculos precários. Assim, o profissional fica preso, sem poder praticamente nenhum, substituindo as lideranças pessoais por procedimentos estardardizados e pessoal qualificado mas vulnerável do ponto de vista laboral.
Isto vai correr mal….
Com certeza que sim. Nada pode substituir uma boa liderança, presente e com alguma capacidade técnica. Se pensam que a gestão de uma IPSS é como a de uma fabriqueta, vão dar conta rapidamente, mas já tarde, que não é assim.
A formação e trabalho em Gerontologia no século XXI
Sinceramente sinto a necessidade urgente de mudança. Neste momento, precisamos de mudar ou desaparecemos, para sermos substituídos por uma simples gestão.
O voluntarismo acabou. Agora é o momento de reconhecer erros, e mudar.
Temo que um vasto grupo de pessoas idosas que não conseguiram defender-se, e que nos tinham a nós, profissionais, como última barreira protectora, fique agora completamente abandonado. Serão eles os grandes perdedores.
Teremos um sector muito eficiente do ponto de vista da gestão, muito bom para as pessoas idosas que possam pagar serviços, mas simplesmente desumano. Foi fruto de uma escolha colectiva, ter acontecido assim.
Desde já os meus melhores cumprimentos, e convido-lhe a comentar este Post
Obrigado!