Uma lição de vida: As tomadas de decisão catastróficas
Quando comecei na vida dos serviços sociais não comecei na terceira idade. Fiz trabalho junto com toxicodependência. Em fim … Uma vez um utente da Clínica de Desintoxicação comentou comigo que “nesta vida não podemos cometer grandes estupideces”. Nas nossas vidas tomamos muitas decisões e algumas serão melhores que outras. Não há problema contra isso (se aprende e ponto).
Não podemos (ou devemos) tomar decisões catastróficas. Tomadas de decisão que nos fazem sofrer e condicionar para o resto das nossa vida como por exemplo converter-se em toxicodependente. Esta é claramente uma tomada de decisão catastrófica.
A grande tomada de decisão foi esvaziar de competências clínicas os Lares de Idosos
Em 2006 foram criadas as Unidades de Cuidados Continuados Integrados (por meio da Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de junho), e curiosamente foi uma tomada de decisão apoiada desde o Bloco de Esquerda até o CDS/PP. Foram todos.
TODOS APROVARAM A CRIAÇÃO DAS UNIDADES DE CUIDADOS CONTINUADOS.
Foi naquele momento que os Lares de Idosos tinha o enquadramento legal Despacho Normativo n.o 12/98 que basicamente esvaziava aos Lares de Idosos de capacidade clínica não obrigando a ter pessoal médico nos seus quadros. Claro que os Lares de Idosos tem médicos mas a sua existência é mínima e a capacidade de pessoal de enfermagem reduzida.
Foi em 2006 que se toma a decisão. O paradigma seria que os Lares de Idosos não devem ter área clínica, e esta se deve ficar para os Hospitais e as Unidades de Cuidados Continuados (que estavam a ser criadas). Essa foi a tomada de decisão.
Naquele momento eu me insurgi. A criação das Unidades de Cuidados Continuados solucionaram os problemas do Ministério da Saúde que não sabia que fazer os Hospitais Distritais que foram convertidos em Unidades de Cuidados Continuados. As IPSS e os Lares Privados Lucrativos não protestaram porque não assumiam um custo pesado para a suas finanças que seria a contratação de pessoal médico e do aumento dos rácios de enfermagem.
E as classes profissionais? A Ordem dos Médicos e dos Enfermeiros viram na criação das Unidades de Cuidados Continuados pequenos hospitais controlados por eles, enquanto viam os Lares de Idosos como um subsistema pouco aliciante. Aquilo dos lares tem pouco … como vou dizer …“charme”.
Todo o mundo esta feliz e contente. Todo o mundo tinha o seu “tacho”.
Em 2011 temos a Portaria n.º 67/2012 de 21 de março
A reforma da Legislação dos Lares de Idosos em 2011 foi lamentável (Portaria n.º 67/2012 de 21 de março). No mesmo Conselho de Ministros que exigia para as galinhas mais espaço nas suas ganhoilas , se permitia aos Lares o aumento de vagas para o mesmo espaço. Vamos que onde havia um residente agora cabem dos, e onde cabem dois agora cabem três, reduzindo as exigências do quadro de pessoal e induzindo ao sector ao sentimento de que no final o facto de ter pessoal qualificado e condições físicas não era assim tão importante.
E agora em 2015, temos os idosos doentes (os dos Lares e os que vivem em casa) nas Urgências
Agora temos um Ministro de Saúde, Paulo Macedo porque os idosos dos Lares de idosos vão ao Serviço de Urgência e entopem os serviços quando o normal seria ser tratados nos próprios Lares. Seria melhor para os residentes e melhor para o Sistema de Saúde. Pois era…, mas foi em 2006 que se deveria ter pensado nisso. Mas naquele momento as prioridades eram outras.
Pode ler a noticia aqui (Link)
E pode ver uma entrevista a ele acerca das Urgências no Natal 2014
Mas não deve ser para os Lares de Idosos que se deve perguntar. Deve-se virar para o seu colega o Ministro Mota Soares, e lhe perguntasse o motivo de porque os Lares de idosos em Portugal (sim em Portugal em outros países europeus não é assim) não tem capacidade clínica para atender os problemas mais básicos de infecções respiratórias, como é possível que não exista um protocolo estandardizado de vacinação contra a gripe em Lares de Idosos, e de como possível que se aprovasse uma lei que aumenta a densidade dos utentes quando isso aumenta a probabilidade de contagio.
Me vão a desculpar, mas alguém em 2006 não sabia já que o tipo de população em contexto Lar de Idosos iria progressivamente modificar-se para pior sobretudo em necessidades de saúde. Eu acho que sabiam, mas assobiaram para o lado como estão a fazer agora.
Por certo, aquilo de falar acerca dos Lares de Idosos foi uma forma de distrair a atenção de algo mais importante, que é a performance do Sistema de Cuidados Primários.
Desde já os meus melhores cumprimentos, e convido-lhe a comentar este Post
Obrigado!
José Ignacio Martín
Ricardo says
Não faz sentido ver os lares como mini-hospitais. A maioria dos nossos idosos não necessitam de cuidados continuados e, obrigar todos os lares a terem essa valência, obriga também todos os lares a fazerem-se cobrar por essa valência que só por si é mais cara que todos os restantes serviços do lar juntos. Se o nosso problema é falta de recursos porque se em 100 idosos os hospitais e unidades de cuidados continuados deixam por servir e atender os 5 que se tornam casos complicados ao obrigar os lares a se tornarem hospitais, vamos apenas fazer com que 80 idosos deixem de por frequentar lares e deixar de ter o apoio que precisam por não poderem pagar o apoio que não precisam, pois também não haverá recursos do estado para pagar a 80 o que não paga a 5.
Raquel Pereira says
Não poderia estar mais de acordo. Já trabalho num lar de idosos há mais de 6 anos e a maioria dos utentes necessitam de cuidados de saúde constantemente…. é lamentável não termoa apoio médico constante para desobstruir as urgências…já que os médicos de família agora dizem que não fazem visitas domiciliares aos lares de idosos. Os idosos descontam mas não têm os mesmos direitos ..e ninguém faz nada!>