Vamos falar do Decreto-Lei n.º 172-A/2014 que vai a mudar a nossa vida
Temos de falar Decreto-Lei n.º 172-A/2014 porque vai a mudar nossas prioridades, objectivos e metodologias de trabalho. Este primeiro post acerca das análises do Decreto-Lei n.º 172-A/2014 e acerca da agenda ideológica subjacente. Os outros serão acerca de questões mais técnicas. Muitas, muitas questões ….
Mas neste post vamos falar de POLITICA. Temos de falar das novas relações de poder que este enquadramento nos traz.
Liberalismo Económico nos Serviços Sociais
A partir do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, as IPSS são “empresas” de economia social. Não são empresas porque não se enquadram no Código Comercial. Não obstante, o Decreto-Lei n.º 172-A/2014 as aproxima muito do mundo empresarial.
A posição do Estado é em primeiro lugar como cliente. O Estado carece de divida face as IPSS e aos seus beneficiários.
Se opta claramente por um sistema assistencialista puro que é central na Constituição Portuguesa.
“Artigo 67.º (Família) 1.
A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. ….
- b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade;”
Isto significa que as pessoas não Estado não se obriga a prestar serviços sociais aos seus cidadãos
“Artigo 4.º Apoio do Estado e das autarquias 1
O Estado aceita, apoia e valoriza o contributo das instituições na efetivação dos direitos sociais dos cidadãos individualmente considerados.”
O ferramenta que utiliza é a figura do Acordo que não de Contrato ou Protocolo. Isto é profundamente diferente.
“2 — O contributo das instituições e o apoio que às mesmas é prestado pelo Estado concretizam -se em formas de cooperação a estabelecer mediante acordos.”
Contratos ou protocolos são negociáveis entre partes. Acordos não.
Relativamente a natureza dos Acordos a lei é omissa, pelo que o legislador não limita ao parte do Estado do tipo de Acordo que pode impor as IPSS. Nisso não muda substancialmente o regime actual, unicamente o aprofunda.
Existencial dum controlo musculado da actuação das IPSS
Existem cinco tipo de controles a actuação das IPSS. (1) Interno , (2) do supervisor administrativo, (3) do supervisor de actividade (muito musculado juridicamente) e (4) associativo, e outro menos explicito (5) o mercantil.
- O primeiro deles é o interno. Basicamente, coloca o órgão de fiscalização o controlo e fiscalização da instituição um papel ainda mais importante na gestão duma IPSS. Adquire o papel parecido ao “controller” no mundo empresarial, incluso com maior responsabilidade porque o “controller” é essencialmente financeiro e segundo o Decreto-Lei n.º 172-A/2014 o órgão de fiscalização o controlo e fiscalização da instituição permite segundo o
“Artigo 14.º
- d) Verificar o cumprimento da lei, dos estatutos e dos regulamentos.”
Em resumo coloca na responsabilidade do órgão de fiscalização o controlo e fiscalização da instituição responsabilidades que anteriormente correspondiam unicamente à supervisão da Segurança Social.
O segundo sistema de controlo das IPSS é relativo a entidade supervisora mas do ponto de vista administrativo.
“Artigo 14.º -A Contas do exercício
2 — As contas do exercício são publicitadas obrigatoriamente no sítio institucional eletrónico da instituição até 31 de maio do ano seguinte a que dizem respeito
3- As contas devem ser apresentadas, dentro dos prazos estabelecidos, ao órgão competente para a verificação da sua legalidade”
“Artigo 35.º Destituição dos órgãos de administração
- d) Pela não apresentação das contas do exercício, durante dois anos consecutivos e segundo os procedimentos definidos pelo artigo 14.º -A;”
(Ironia: Eu agradeço este ponto. Foi sempre difícil saber as contas das IPSS para objectivos de investigação. Agora vai ser tão fácil para ir a página web de cada uma delas).
Outro controlo, implica a possibilidade de encerramento administrativo (sem ordem judicial). Esta posição coloca quase à fiscalização da Segurança Social ao nível policial, numa posição “muito musculada”
“Artigo 37.º Encerramento administrativo dos estabelecimentos
1 — As entidades competentes para a fiscalização e inspeção das instituições podem determinar o encerramento de estabelecimentos ou serviços das instituições, quando se comprove que o seu funcionamento decorre de modo ilegal ou quando apresentam graves condições de insalubridade, inadequação das instalações, ou deficientes condições de segurança, higiene e conforto dos beneficiários
2 — Para a efetivação do encerramento nos termos do número anterior, podem as entidades competentes para a fiscalização e inspeção das instituições solicitar a intervenção das autoridades administrativas e policiais competentes”
Curiosamente a anterior não é a parte mais importante da intervenção da Segurança Social porque se daria em muitos poucos casos. A mais importante é a seguinte
Artigo 35.º Destituição dos órgãos de administração 1
Quando se verifique a prática reiterada de atos ou a omissão sistemática do cumprimento de deveres legais ou estatutários pelo órgão de administração que sejam prejudiciais aos interesses da instituição ou dos seus beneficiários, podem ser judicialmente destituídos os titulares dos órgãos de administração.
E esta ..
“Artigo 36.º Procedimento cautelar 1 — Quando se verifique a necessidade urgente de salvaguardar interesses dos beneficiários, da instituição ou do Estado, pode o Ministério Público requerer, com dependência do procedimento referido no artigo 35.º -A, a suspensão dos órgãos sociais obrigatórios e a nomeação de um administrador judicial.”
Em terceiro lugar, o sistema de controlo corresponde ao nível associativo
“Artigo 35.º Destituição dos órgãos de administração
3 — As associações, uniões, federações ou confederações de instituições têm legitimidade para requerer ao ministério responsável pela área da segurança social que promova o pedido judicial de destituição do órgão de administração, se tiverem conhecimento de factos imputáveis a instituições suscetíveis de integrar o disposto na alínea f) do número anterior”
Isto significa que colocam também sobre as associações, uniões, federações ou confederações a responsabilidade de denúncia no caso de ilegalidades.
E ainda falta o último controlo, que esta escondido na letra pequena do Decreto-Lei n.º 172-A/2014
“Artigo 1.º -B Fins secundários e atividades instrumentais
2 — As instituições podem ainda desenvolver atividades de natureza instrumental relativamente aos fins não lucrativos, ainda que desenvolvidos por outras entidades por elas criadas, mesmo que em parceria e cujos resultados económicos contribuam exclusivamente para o financiamento da concretização daqueles fins.
3 — O regime estabelecido no presente Estatuto não se aplica às instituições em tudo o que diga respeito exclusivamente aos fins secundários e às atividades instrumentais desenvolvidas por aquelas”
Vamos analisar com calma. Sim…, as IPSS podem desenvolver outras actividades de tipo empresarial. Correctíssimo, mas possivelmente não com o número de contribuinte diferente da IPSS senão com o número de contribuinte numa empresa criada para este fim que será propriedade da IPSS. Nesse sentido, e como empresa terá todas a fiscalização correspondente a uma empresa como exigência de TOC, pagamentos de impostos como IVA, IRC, taxas (que como IPSS estão isentos), fiscalização possivelmente da ASAE ou de outras entidades, etc etc
Vamos la a resumir isto e a projecta-o ao futuro: Significado político disto tudo
Anteriormente ao Decreto-Lei n.º 172-A/2014, a tensão se colocava na relação entre as IPSS e a Segurança Social. Era um tipo de relação de tensão entre aquele que era o cliente (Segurança Social) e os fornecedores dos serviços (IPSS), onde as IPSS ao estar condicionadas na sua actividade a ter um único cliente real, este cliente real tinha que pagar a “suposta exclusividade” das actividades desenvolvidas pela Segurança Social.
Agora esta relação de tensão de dilui. As IPSS são plenamente livres pudendo desenvolver qualquer tipo de actividade pelo que a justificação de “cliente único” para tensionar a Segurança Social desaparece.
A tensão se transfere agora para o seio das IPSS. Volto a repetir que a partir da publicação do Decreto-Lei Decreto-Lei n.º 172-A/2014 as IPSS são “empresas” de economia social e os seus administradores “empresários sociais”.
A minha hipóteses pessoal: A tensão vai dar para ….os utentes
A tensão no seio da IPSS se vai a transferir não para a relação com a Segurança Social (onde estava anteriormente), nem para uma actividade empresarial secundaria ou auxiliar (isso é treta simplesmente). A tensão vai a acentuar-se entre as IPSS e os beneficiários, porque as IPSS cada vez seleccionaram cada vez mais os seus utentes entre os que tenham mais dinheiro.
E atenção tenho uma coisa clara, é que os utentes não são os mesmos que nos anos 80 ou 90. São maioritariamente classe médias empobrecidas, que lêem internet e posts como estes, estudam e sabem os seus direitos (as vezes não todas as suas obrigações).
Preparem advogados…. isto vai a ficar divertido.
Para ler o ideg_DL_172A_14_Nov_2014.
Desde já os meus melhores cumprimentos, e convido-lhe a comentar este Post
Obrigado!
José Ignacio Martín
Sandra Marques says
Bom dia, gostaria de saber se é possível fazer reclamação directamente a segurança social quando não se tem qualquer tipo de resposta da direcção internada das IPSS
Anonymous says
Cara Sandra!
A segurança social é a entidade reguladora do serviços sociais em Portugal (lares, creches, serviço de apoio ao domicilio, etc). No caso de fazer uma reclamação a segurança social desencadeara uma inspecção à IPSS onde o/a queixosa não será identificada face a IPSS. Agora para fazer a queixa deverá ser identificada, sendo que não servem as queixas anónimas a segurança social ou pelo menos tem pouca força.
Se alguma coisa correu mal no serviço tem todo o direito a fazer queixa a entidade reguladora do serviço duma IPSS.
Eu pessoalmente tenho como objectivo sempre defender as melhores praticas que são mais que as mas. Não obstante, os profissionais devemos entender que as queixas devem servir para melhorar o serviço prestado aos utentes.
Melhores saludos, Jose Ignacio Martin